quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Juiz Alexandre Lazzarini comenta a nova Lei de falëncias

Arte de dialogar
Com nova lei de falências, empresário aprende a negociar

por Aline Pinheiro
A nova lei de falências e recuperação judicial (Lei 11.101/05) mal completou dois anos e já mudou hábitos na Justiça e em todo o setor empresarial no país. A legislação trouxe um ensinamento novo para credores e devedores: é preciso dialogar.

A proposta da nova lei é chamar o credor para a sua responsabilidade junto ao devedor e ensinar ambos a negociar. Para o juiz especializado em falências Alexandre Lazzarini, o empresário brasileiro ainda engatinha nessa nova cultura.

Lazzarini é titular da 1ª Vara de Falências da Capital de São Paulo e tem em suas mãos nada menos do que casos como o da Vasp e da Parmalat, filhotes da recém-nascida figura da recuperação judicial, que surgiu com a lei de 2005. A nova figura veio para substituir a antiga concordata. Para Lazzarini, representa uma grande mudança de mentalidade.

Na concordata, explica Lazzarini, prevalecia o comodismo do credor e a ausência de negociação. Na recuperação judicial, o credor ganhou papel mais ativo. A ele cabe analisar se vale mesmo à pena ver a empresa quebrar ou se não é melhor apostar na sua recuperação e negociar para isso.
É essa mudança de mentalidade que Lazzarini acredita que poderá desafogar um pouco o Judiciário. “Quanto mais a empresa dá credito para pessoas sem condição de pagar, mais joga o problema para frente. E, lá na frente, quem vai ter de resolver? O Judiciário.” Se ambos resolverem olhar o problema quando ele surge e aprenderem a negociar, menos processos chegarão à Justiça.

Com seus recém-completados 44 anos, o juiz Alexandre Lazzarini está há pouco tempo no ramo de falências. Até então sua especialidade foi Direito de Família. Neto e filho de desembargador, gosta de ressaltar no seu currículo um fato que, para muitos, poderia ser depreciativo. Mas, para ele, é motivo de orgulho e mostra a isenção familiar na sua carreira na Justiça paulista: foi reprovado no primeiro concurso para juiz. Só entrou para a magistratura na sua segunda investida.

Alexandre Lazzarini falou à revista Consultor Jurídico sobre as mudanças trazidas pela nova lei de falências e recuperação judicial. Também participaram da entrevista os jornalistas Fernando Porfírio e Maurício Cardoso.
Leia a entrevista
ConJur — A nova lei de falências representa uma mudança de mentalidade na forma de tratar empresas em dificuldades?
Alexandre Lazzarini — Sem dúvida. Mas o número de falências ainda é absolutamente maior do que o número de empresas em recuperação judicial. Na 1ª Vara de Falências de São Paulo, onde sou titular, 90% dos processos são de falências e apenas 10% de recuperação judicial.
ConJur — Então onde pode ser vista essa mudança de mentalidade?
Alexandre Lazzarini — Pode ser notada principalmente no surgimento do processo de recuperação judicial. Na época da concordata, o credor era uma figura sem maior expressividade no sistema, embora pudesse pedir a falência da empresa. Hoje, na recuperação judicial, na assembléia de credores, eles têm o poder de decidir o destino da empresa. Embora possa haver motivos jurídicos para pedir a falência da empresa, o credor com visão de mercado pode ver que essa não é a melhor saída, mas sim apostar na empresa. Para os trabalhadores, a empresa é a fonte de renda e, muitas vezes, vale mantê-la.
ConJur — O empresário já se encaixou nessa nova cultura dos negócios?
Alexandre Lazzarini — Ainda está engatinhando. Ainda existe aquela idéia do “você me deve, não me paga e, por isso, não quero nem negociar mais”. E existe também o comodismo do credor, acostumado com a concordata.
ConJur — Qual é o papel do juiz nessa nova cultura?
Alexandre Lazzarini — O juiz tem de analisar os requisitos previstos em lei, não adentrar no mérito da viabilidade econômica da empresa. Ao juiz cabe verificar se as informações prestadas pela empresa estão em ordem ou não. O mérito dessas informações tem de ser analisado pelos credores.
ConJur — Qual a participação do fisco na recuperação judicial?
Alexandre Lazzarini — Os créditos fiscais não estão sujeitos à recuperação judicial. O credor fiscal pode continuar com a execução fiscal, pedindo penhora de bens, ainda que a empresa esteja em processo de recuperação. Por isso é tão importante deixar claro a situação fiscal da empresa antes de começar a recuperação. Muitas vezes, o fisco pode inviabilizar o plano de recuperação.
ConJur — Isso não contraria o objetivo da lei?
Alexandre Lazzarini — Essa é uma das grandes discussões de hoje. A terceira decisão no Brasil dispensando a exigência da Certidão Negativa de Débito para a empresa recuperanda foi minha, mas isso não significa que a empresa esteja dispensada de pagar os tributos atrasados.
ConJur — Se o juiz está à frente de um processo de recuperação judicial e vê que tudo vai bem, mas um credor pede a falência e há motivos jurídicos para decretá-la, ele pode negar?
Alexandre Lazzarini — O artigo 47 da lei de falências fala da função social da empresa. Aí, há argumentos para justificar a rejeição do pedido de falência. É algo complexo que não dá para fixar uma regra. Os casos têm de ser analisados individualmente.
ConJur — O senhor disse que 90% dos processos que tramitam na sua vara são pedidos de falência. Isso é uma opção dos credores ou há dificuldade de aceitar a recuperação judicial?
Alexandre Lazzarini — É incapacidade de entrar em uma recuperação. O processo de recuperação é multidisciplinar. Costumo dizer que é um processo negocial e empresarial. Tem muito pouco de jurídico nisso. A lei dá as diretrizes apenas. Quando o faturamento da empresa começa a cair, em geral, o empresário põe a culpa no excesso de tributação, nos juros bancários, mas não olha, por exemplo, que o produto que fabrica está deixando de ser útil no mercado. Ele só vai notar isso e começar a repensar a empresa quando já estiver com os títulos protestados. Nesta altura, já está sem credibilidade junto aos credores. Por isso eu digo que a visão do próprio empresário tem de mudar.
ConJur — E os credores?
Alexandre Lazzarini — O credor, ao invés de segurar as pontas quando vê que o devedor não vai conseguir pagar, continua dando crédito. Ele vai dando mais corda.
ConJur — Como essa cultura, que ainda prevalece, afeta o Judiciário?
Alexandre Lazzarini — Tem uma pesquisa da professora Maria Tereza Sadek em que ela fala: “os juízes trabalham muito, mas é o mesmo que enxugar gelo”. Quanto mais a empresa dá credito para pessoas sem condição de pagar, mais joga o problema para frente. E, lá na frente, quem vai ter de resolver? O Judiciário. O acúmulo de processos leva à demora nos julgamentos. Com essa demora, acaba virando um negócio válido entrar com uma contestação de cobranças, sejam cobranças devidas ou indevidas. Ou seja, essa briga entre credor e devedor sobrecarrega o Judiciário. Quem se aproveita disso é o mau pagador.
ConJur — A nova lei de falências estimula a negociação e tende a aliviar um pouco o Judiciário?
Alexandre Lazzarini — A lei trouxe o estímulo à negociação, mas precisamos aprender a negociar. Pela antiga lei de falências, o simples fato de o devedor procurar o credor para tentar negociar a dívida já era motivo para pedir a falência. Isso não existe mais hoje. O devedor, hoje, tem liberdade para procurar o credor para negociar. Outro ponto da nova lei importante para reduzir o número de pedidos de falências é a fixação de valor mínimo da dívida. Antes, tínhamos pedidos por dívidas de R$ 700. Hoje, tem de ser, pelo menos, 40 salários mínimos. Essa foi a principal causa da redução brutal na quantidade de pedidos de falências. Reduziu em 90%, mais ou menos, mas a proporção entre processos de falência e recuperação judicial permanece a mesma: 90% e 10%, como eu disse antes.
ConJur — Por que 40 salários mínimos?
Alexandre Lazzarini — Foi uma opção legislativa. Mostra que se começa a discutir a utilidade do processo. Às vezes, por exemplo, pode-se gastar um valor mais alto movendo a máquina judiciária do que o valor da dívida protestada. Esse valor mínimo fixado não impede, evidentemente, que credores formem um consórcio e atinjam os 40 salários mínimos para pedir a falência da empresa pela impontualidade, que é o não pagamento da dívida no dia previsto.
ConJur — Quais são os motivos mais comuns para se pedir a falência de uma empresa?
Alexandre Lazzarini — 98% dos pedidos são feitos por causa da impontualidade, que é motivo suficiente para a falência ser decretada. Outra causa de falência é o que chamamos de execução frustrada. É quando, em uma execução de título judicial, o devedor não paga e não nomeia bens a penhora. Há outros casos previstos na lei, como abandonar o estabelecimento de maneira injustificada, começar a se desfazer do patrimônio também sem justificativa ou ainda a alienação do estabelecimento de maneira fraudulenta. Muitas vezes, essas razões para se pedir a falência da empresa são concomitantes, mas pede-se apenas pela impontualidade porque é mais fácil de provar e faz com que todo o processo de falência seja mais rápido.
ConJur — O que é determinante para decidir entre a decretação da falência e a recuperação judicial?
Alexandre Lazzarini — Primeiro, a vontade do devedor. Muitas vezes, o processo começa na recuperação judicial e termina na falência. Um caso que pode ser considerado paradigma disso é o do Grupo Pires, que foi um dos maiores grupos de segurança privada do país. São cinco empresas no grupo. O pedido de recuperação estava em ordem, o plano era factível, mas outras causas começaram a interferir no desenvolvimento das empresas do grupo, que não teve condições de seguir com a recuperação. Então, ele optou por pedir a auto-falência. E foi deferia a continuidade de negócios de três das empresas, que continuam funcionando e, desde a decretação da falência, passaram a ter condição de arcar com todos os encargos trabalhistas e fiscais, e com seus fornecedores. Evidentemente, há um passivo anterior. Mas dali em diante, pelos relatórios que são apresentados, não houve mais atraso de pagamento de salários ou de impostos e as empresas estão fazendo caixa para poder pagar todos os credores.
ConJur — E aí pode ser feito novo pedido de recuperação?
Alexandre Lazzarini — Não. A lei não prevê isso. A falência decretada significa liquidar a empresa. Ela pode ser vendida como uma unidade produtiva em funcionamento, como é o caso das empresas do Grupo Pires, que ainda não foram vendidas. Estamos em processo de avaliação. Se tudo der certo, estarão liquidadas em um ano.
ConJur — Ou seja, nem sempre a falência é a pior saída.
Alexandre Lazzarini — Nem sempre, como no caso do Grupo Pires. Muitas vezes a empresa é viável desde que não tenha passivo.
ConJur — Mas o que é feito com o passivo, nestes casos?
Alexandre Lazzarini — A finalidade é vender a empresa e, com o dinheiro apurado, pagar o passivo.
ConJur — Há, nos processos de falência, uma briga de competência entre a Justiça Cível, a Criminal e a Trabalhista. Como resolver isso?
Alexandre Lazzarini — É preciso entender que o patrimônio do devedor é a garantia de que a dívida contraída será paga. O processo de falência não tem por finalidade dar tratamento diferenciado entre os credores. A idéia é liquidar e pagar os credores de acordo com a ordem de preferência definida em lei. Ou seja, dividir em partes iguais, e não pagar toda a dívida de um e deixar o outro sem nada. Isso não ocorre, por exemplo, num processo individual de um credor. Ele ajuíza a ação e a Justiça manda pagar sem se preocupar com os outros credores. A falência não pode ser assim. Tem de ser mais global. O processo de falência e recuperação judicial tem natureza coletiva.
ConJur — O senhor diz que o patrimônio é justamente a garantia da dívida. No caso, por exemplo, do Banco Santos, o que se questiona criminalmente é justamente a origem desse patrimônio.
Alexandre Lazzarini — Eu não conheço esse processo. Ainda que o patrimônio tenha sido adquirido de maneira fraudulenta, os credores foram lesados. Se houve superfaturamento ou não, isso é outro problema. O patrimônio dever ser usado para pagar os credores.
ConJur — A especialização do Judiciário está tornando mais célere a efetiva aplicação da Justiça na área de falências?
Alexandre Lazzarini — Por enquanto, sim. Pelo menos aqui na capital de São Paulo. Isso assusta um pouco os devedores, porque as decretações de falência estão vindo muito mais rápido do que antigamente. Antes, credor e devedor usavam a demora da Justiça para tentar negociar. Hoje, quando vão ver, a falência já foi decretada.
ConJur — Quer dizer, não é mais possível usar o Judiciário como meio de pressão.
Alexandre Lazzarini — Aqui na capital, não. Pelo menos, por enquanto. Mas é preciso cuidar com o aumento do movimento nas únicas duas varas especializadas de São Paulo.
ConJur — Por quantos processos o senhor é responsável hoje?
Alexandre Lazzarini — São 800 processos. Só que, por exemplo, só no processo da Vasp há cerca de 2,5 mil atos. Imagine só! E isso não é contabilizado nas estatísticas. As varas de falências de São Paulo não têm juiz auxiliar e estamos pedindo para que tenham.
ConJur — O senhor disse que o processo de falência ou recuperação da empresa é multidisciplinar. Na sua vara, há técnicos para auxiliá-lo?
Alexandre Lazzarini — Não, apenas escreventes. Quando preciso de um serviço especializado, eu tenho que pedir um perito.
ConJur — Seria útil ter uma equipe de consultores para auxiliá-lo?
Alexandre Lazzarini — Eu acho que sim. Em vez de eu ter que nomear um contador para me dizer se as informações que constam da petição inicial estão contabilmente em ordem, eu poderia pedir para um funcionário meu.
ConJur — Vamos falar de casos concretos. O caso da Varig e da Vasp são tão diferentes para as duas terem tratamentos tão diversos?
Alexandre Lazzarini — Não. O tratamento das duas é quase igual. A única diferença é que a Varig continua operando na sua atividade mais vistosa que é voar. A Vasp continua operando, mas só na parte de manutenção. Nos dois casos, buscou-se preservar a unidade produtiva. Duas empresas já manifestaram interesse pela Vasp. Lá, há ainda aproximadamente 300 trabalhadores.
ConJur — Existe possibilidade de a Vasp voltar a voar?
Alexandre Lazzarini — Eu acredito que sim, desde que seja vendida. É preciso que entre um investidor para ela voltar a voar.
ConJur — O caso da Parmalat é um bom exemplo de recuperação?
Alexandre Lazzarini — Da Parmalat Alimentos Operacional, eu acredito que sim. Já a Parmalat Holding está com problemas. Já teve dois planos de recuperação rejeitados. Eu também acho a Varig exemplo de sucesso, aos trancos e barrancos.

Revista Consultor Jurídico, 7 de outubro de 2007

terça-feira, 9 de outubro de 2007

V FORUM INTERNACIONAL DE RENOVAÇÃO DE EMPRESAS

ASSISTA A INTEGRA DO V FORUM PELA WEB - NO SITE WWW.IBGT.ORG.BR

IBGT promove encontro com magistrados brasileiros e americanos para ampliar colaboração

Valor Economico Caderno Empresas - Quarta-feira , 3 de outubro
(Graziella Valenti e Roberta Campassi)

Na semana passada, esteve no Brasil um americano famoso. Nada de celebridades exuberantes de Hollywood. Ao contrário. Robert Drain, discreto juiz da maior vara de falências do mundo, em Nova York, participou de um debate com juízes brasileiros, a respeito das legislações nacional e americana sobre recuperação de empresas em dificuldades financeiras. Drain ganhou notoriedade no país depois de emitir seis decisões relacionadas ao caso Varig - e ficou corado ao saber de seu reconhecimento.

Drain não veio sozinho. Integrou um grupo com dez juízes americanos de varas de recuperação, trazidos pelo Instituto Brasileiro de Gestão e Turnaround (IBGT), para discutir com juízes brasileiros a experiência de ambos os países no tema. Nos Estados Unidos, a questão é tratada em lei abrangente desde 1892. As regras atuais, do famoso capítulo XI, estão vigentes desde 1978. No Brasil, o cenário é novo. Desde que a Lei de Falências que entrou em vigor, em 2005, só dois grandes casos foram concluídos sob o guarda-chuva das novas regras: o controverso processo da Varig e também o da Parmalat do Brasil - em razão dos problemas da matriz italiana.

Jorge Queiroz, presidente do conselho do IBGT, idealizador e organizador do evento da semana passada, explica que a principal idéia era permitir o contato entre os juízes, especialmente para mostrar aos profissionais brasileiros a aplicação essencial do que está por trás da reforma da lei brasileira, a possibilidade de recuperação. "Não podemos trabalhar com o diploma novo, mas mantendo a cultura antiga", diz ele, justificando a importância do debate. Queiroz conta que a discussão deverá ocorrer anualmente. Como foi o primeiro encontro, as conversas entre os juízes giraram em torno do aumento da cooperação nos casos.

Para Drain, a discussão entre as duas estruturas judiciárias é de grande valor. Na opinião do juiz americano, a principal tendência nos casos de insolvência é que eles envolvam diversos países, uma vez que os negócios estão mais globalizados. Será cada vez mais importante que todas as cortes tenham o mesmo entendimento. "O ideal é que os judiciários não pensem diferente. Se for considerada a venda de alguns ativos, por exemplo, é importante que todas as cortes concordem e atuem nesse mesmo sentido", disse ele ao Valor.

O juiz americano ressalta que os Estados Unidos e o Brasil, após a nova lei, têm a mesma filosofia no tratamento ao assunto. "O objetivo principal é resgatar e recuperar o ativo operacional, mesmo que seja para vendê-lo." Ele destacou a importância social das regras, já que ao se preservar o negócio em atividade, os empregos são protegidos.

Do encontro, que durou cerca de quatro dias, sairá um relatório conjunto, com as impressões dos magistrados. "A idéia é que esse colóquio gere uma agenda", diz Queiroz, do IBGT. Segundo ele, além de novos debates, há itens que demandam atitudes práticas.

"Ficou bem clara a importância de o Brasil adotar a Lei Modelo o mais rapidamente possível", diz o presidente do conselho do IBGT. O documento, de autoria da Uncitral-ONU, comitê das Nações Unidas que trata de questões do comércio internacional, dá as diretrizes de ação para os casos que envolvem múltiplas jurisdições. Ou seja, organiza as decisões, detalha os procedimentos para comunicação das varas e delimita as atribuições. Queiroz faz coro ao juiz Drain e destaca a perspectiva de aumento da internacionalização dos casos. "O mundo financeiro já está interconectado. O jurídico também precisar estar."

Receoso para não transmitir a impressão de que está dando palpites na legislação alheia, Drain falou também de questões culturais. Para ele, é preciso cuidado para que as companhias não sejam estigmatizadas. "Afinal, todo mundo pode ficar insolvente." O importante, na avaliação do juiz, é olhar para os ativos, procurar onde está a falha e eliminar os problemas.

Nos casos que envolvem fraudes, a preocupação com a manutenção das operações é a mesma."É necessário saber separar o gestor fraudulento da companhia. Esse administrador tem que ser punido, mas a empresa precisa ser recuperada", enfatiza Drain, que cuidou de casos como o da Delphi.

O juiz tentou mostrar que processos de recuperação são essenciais em economias de mercado. "Há os que falham e os que têm sucessos. É preciso ter sistemas menos opressivos ao risco." As regras claras estimulam o empreendedorismo e a concessão de crédito.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

A Justiça paulista concluiu, finalmente, depois de cinco anos, que a dívida de US$ 2,7 milhões invocada pela General Electric para tirar a Transbrasil

A Justiça paulista concluiu, finalmente, depois de cinco anos, que a dívida de US$ 2,7 milhões invocada pela General Electric para tirar a Transbrasil do ar já havia sido paga. A multinacional, segundo a decisão de primeira instância, deverá indenizar a companhia aérea brasileira pelos prejuízos que provocou.
O escritório que representa a empresa, o Teixeira, Martins e Advogados, já está providenciando as petições que encaminharão a decisão ao TJ paulista, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, onde outros aspectos da mesma causa estão em apreciação.
A decisão, publicada nesta quinta-feira (3/5), é do juiz Mário Chiuvite Júnior, da 22ª Vara Cível de São Paulo. Com base na perícia, o juiz declarou que a Transbrasil pagara também outras seis notas promissórias cobradas pela GE em processos de execução. O juiz afirma na sentença que ficou provado que a empresa pagou US$ 21,9 milhões para saldar uma dívida total de US$ 19,6 milhões. Ou seja, pagou mais do que devia.
A reviravolta se deve ao fato de o processo de falência ter andado mais rápido que o processo sobre a validade da cobrança, que encalhou em São Paulo — provocando a inadimplência da Companhia.
“A General Electric causou danos enormes à Transbrasil, inviabilizando a Companhia e responderá por isso”, afirma o advogado Roberto Teixeira, para quem a companhia aérea poderia estar voando normalmente, não fosse a cobrança indevida.
A sentença confirma: “Constata-se que o protesto respectivo realizado em detrimento da autora foi indevido, o que certamente acarretou danos a esta última, na forma estabelecida no artigo 1.531 do Código Civil., asseverando-se que tal apontamento indevido causou sérios prejuízos à parte autora, tais como a necessidade de formular a caução respectiva, risco iminente e infundado de ter títulos protestados indevidamente, além de sério abalo de crédito”.
No final, a sentença, além de declarar a inexistência da dívida, também condenou as empresas do Grupo GE “a pagarem à autora, a título de reparação por perdas e danos, nos termos do artigo 1.531 do Código Civil, os prejuízos causados a esta última, valor que deverá ser apurado em liquidação por arbitramento”.
A decisão poderá representar, na prática, a assunção de todas as dívidas da Transbrasil geradas após a paralisação de suas atividades, inclusive trabalhistas e tributárias, pela GE, além de indenização aos acionistas pela derrocada de uma empresa que detinha 20% do mercado, aproximadamente, quando foi requerida a sua falência.
Procurada por meio de sua assessoria de imprensa, a GE afirmou que não foi notificada e não comentou a decisão.
Histórico
As divergências entre as empresas começaram quando um avião operado pela Transbrasil passou por um incidente de aquaplanagem em Porto Alegre. A GE pedia na época que a empresa reconhecesse a perda total da aeronave a fim de poder receber o valor total do seguro. Como a Transbrasil se negou a satisfazer a GE, esta ingressou com o pedido falimentar utilizando-se de um título já pago, além de cobrar outras dívidas igualmente pagas.
A GE também está sendo investigada pela 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro por haver votado pela falência da Varig com base em créditos que ela já havia vendido a terceiros. Os seus representantes e advogados, de acordo com manifestação do Ministério Público do Rio de Janeiro existente nesse processo, deverão responder criminalmente pela conduta praticada.
A conduta da GE, no caso da Transbrasil, já foi declarada criminosa durante em relatório final apresentado pela CPI do Banestado.

Veja a sentença do juiz Mário Chiuvite Júnior
PROC N.583.00.2001.015569-7
VISTOS
TRANSBRASIL S/A LINHAS AÉREAS ajuizou ação declaratória de nulidade de títulos c.c cobrança de reparação por perdas e danos contra GENERAL ELETRIC CAPITAL CORPORATION, ALCYONE ESC CORPORATION, AIRPLANES HOLDINGS LIMITED, AVIATIONS FINACIAL SERVICES. INC, AERFI LEASING USA II.INC, e AERFI GROUP PLC, alegando em suma que foi surpreendida com avisos de cobrança pelo respectivo cartório de protesto, em relação aos títulos descritos na exordial em fls. 04, havendo, destarte, a apresentação para protesto das respectivas notas promissórias mencionadas em fls. 04/05.
Não haveria motivo jurídico para a formulação de tais protestos, em relação às respectivas notas promissórias, não obstante ter havido celebração contratual entre as partes na forma aduzida em fls. 11/13. Esta em suma a razão do presente pedido. A inicial veio acompanhada por documentos.
Citadas, as rés contestaram o feito a fls.1857/1881, aduzindo em suma, em caráter preliminar, que não houve o pagamento das custas de distribuição e que há inépcia da exordial.
No mérito da demanda, as rés aduziram a improcedência da ação, sustentando a validade das notas promissórias objeto da exordial, mencionando-se a existência de dívida da parte autora em relação às rés, aduzindo que não houve novação ou quitação em relação às referidas notas promissórias.
Réplica em fls.1933/1954. Tentativa conciliatória restou prejudicada no bojo dos autos ( fls. 2113 ). Despacho saneador proferido nos termos de fls.3092, com deferimento de produção de prova pericial. Laudo pericial foi encartado a fls.3814/3830. As partes manifestaram-se a final nos autos, concretizando-se, desta forma, a finalidade processual das alegações finais à luz do princípio da instrumentalidade das formas. É o Relatório Fundamento e Decido:
O feito comporta julgamento nesta fase processual, não havendo, portanto, óbice à apreciação do mérito da causa.Estão evidenciadas nos autos as condições da ação e os pressupostos processuais de constituição e de desenvolvimento do feito, não havendo qualquer óbice processual ao julgamento do mérito da demanda.
Outrossim, ressalto que afasto a matéria preliminar aduzida no feito, pois a inicial encontra-se formulada nos termos do artigo 282 do CPC, contendo os seus requisitos hábeis a permitir o regular seguimento do feito.
Com relação às custas de distribuição, caso as mesmas não tenham sido recolhidas nos autos, bem como na hipótese de tal questão não estar devidamente solucionada no bojo dos autos, a parte autora deverá regularizar tal fato em cinco dias nos autos. Quanto ao mérito, o pedido é procedente. De fato, diante das provas carreadas aos autos, verifica-se que realmente se constata que a autora adimpliu as obrigações referentes às notas promissórias descritas na exordial.
Em tal sentido, em fls. 3821/3823 a sra. perita descreveu a origem das notas promissórias apontadas na inicial, a partir da identificação da aeronave a que se refere a dívida por elas representadas, no que concerne às respectivas arrendadoras e ao correlato contrato de leasing. A sra perita asseverou que ao analisar os documentos indicados no início do laudo, verificou que a autora efetivamente realizou remessas de valores em favor das rés para o pagamento de arrendamento mercantil das aeronaves. Houve, no bojo de tal laudo pericial, a descrição das remessas realizadas mensalmente pela autora.
O valor global das remessas feitas, pela autora em favor das rés para o pagamento do arrendamento mercantil de aeronaves, monta o valor global de US$ 21,950,000.00. A perícia concluiu ainda que a autora fez pagamentos às rés de US$ 21.950,000.00 entre 27 de maio de 1999, data da celebração do contrato de reescalonamento número 2 a 27 de abril de 2000, data do último pagamento realizado através de remessas registradas no Banco Central do Brasil e transferências internacionais de recursos contra um total de US$ 19.643,487,81 em notas promissórias. Em tais fls. 3823, a perícia concluiu que a autora adimpliu as obrigações referentes às notas promissórias acima mencionadas.
Portanto, a autora, diante de tais conclusões periciais de ordem técnica, logrou êxito em demonstrar a constituição do seu direito, à luz do disposto no artigo 333, I do CPC, no bojo dos contratos firmados com as rés na forma descrita na inicial. Por conseguinte, os títulos em questão nos autos devem ser declarados nulos, por não apresentarem mais a regular exigibilidade, nos termos legais.
Em razão da declaração de quitação dos valores em pauta nos autos, constata-se que o protesto respectivo realizado em detrimento da autora foi indevido, o que certamente acarretou danos a esta última, na forma estabelecida pelo artigo 1531 do Código Civil, asseverando-se que tal apontamento indevido causou sérios prejuízos à parte autora, tais como necessidade de formular caução respectiva, risco iminente e fundado de ter títulos protestados novamente, além de sério abalo de crédito.
Tais situações devem ser reparadas pelas rés, em razão de estas, no momento da formulação de protesto de valor atinente à dívida já quitada, não terem atuado com a devida e esperada cautela. Ante o exposto, julgo o pedido PROCEDENTE nos termos requeridos na inicial para declarar a nulidade dos títulos apontados na inicial e condenar as rés a pagarem à autora, a título de reparação por perdas e danos, nos termos do artigo 1531 do Código Civil, os prejuízos causados a esta última, valor este a ser apurado em liquidação por arbitramento.
Este valor será atualizado com juros legais e correção monetária desde a citação até o efetivo pagamento. Em razão da declaração de nulidade dos referidos títulos, oficie-se ao respectivo cartório mencionado nos autos.
Em razão da sucumbência acima caracterizada, condeno a parte autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em vinte por cento sobre o valor da causa devidamente atualizado.
P.R.I.
São Paulo, 24 de abril de 2007.
MÁRIO CHIUVITE JÚNIOR Juiz de Direito

Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2007

STJ anula falência de empresa porque seu representante legal não foi devidamente intimado


A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a sentença que decretou a falência da Müller Indústria e Comércio de Móveis Ltda, empresa do Paraná. Por maioria, os ministros da Seção entenderam que o processo foi irregular porque o aviso de protesto não foi entregue ao representante legal da empresa, e sim a outra pessoa cujo nome não está sequer identificado no documento.
A questão foi decidida na análise de embargos de divergência, tipo de recurso em que se aponta discordância no entendimento dos órgãos julgadores sobre o mesmo assunto. Os embargos foram contra acórdão da Terceira Turma do STJ, relatado pelo ministro Ari Pargendler, que concluiu pela validade da citação feita à empresa. Ao negar, por unanimidade, o recurso especial da Müller, a Terceira Turma manteve a falência, que já havia sido confirmada pelo Tribunal de Justiça do Paraná.
No caso analisado, o pedido de falência se deu após devolução de quatro cheques da empresa por insuficiência de fundos. O síndico da massa falida pediu que fosse negado seguimento aos embargos, alegando que a falência já estava encerrada e os credores pagos. Mas a empresa manifestou que ainda havia interesse na ação porque a venda do estabelecimento por preço insignificante motivou agravo do Ministério Público para anular a homologação da proposta de compra.
Ao julgar os embargos, o relator, ministro Aldir Passarinho Junior, adotou o entendimento da Quarta Turma, que, em outros julgados apresentados como paradigmas, concluiu pela irregularidade de protestos em que a intimação recai em pessoas sem poder de representação e não identificada no instrumento. Condições que inviabilizam o pedido de falência.
Acompanharam o relator os ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Nancy Andrighi. Ficaram vencidos os ministros Cesar Asfor Rocha e Carlos Alberto Menezes Direito. Mesmo sem unanimidade, será elaborada uma proposta de súmula para consolidar esse entendimento.